Lixo solidário.

É quarta-feira em Copacabana. Os sacos de lixo estão nas calçadas à noite As populações de rua se jogam, ansiosas, sobre eles. Abrem saco por saco à procura do ouro de Copacabana: alumínio e plástico de refrigerantes. Eles metem as mãos sequiosas na massa disforme e fétida à procura dos preciosos itens. Espalham tudo no chão. Os sacos abertos começam a feder, num espetáculo patético de papel higiênico usado e sanduíches azedos pela metade. Caberá aos garis lidar penosamente com os restos dos restos.
Copacabana, a princesinha do mar – de lixo.
Durante minha vida toda aprendi que a classe média, às vezes, é patética e pode ser cruel. Misturando lixo reciclável ao úmido, por exemplo. Mas aprendi que essa mesma classe média pode ser agente de coisas boas. Ela pode alimentar pessoas numa madrugada fria, pode recolher animais doentes de rua e procurar lares para eles. Dá até esmolas, felizmente um hábito em decadência. Assim, resolvi apostar na classe média e propor uma ação que vai mudar nosso bairro para sempre. Começa com a instalação de compactadores de latas de alumínio nas garagens – aquelas alavancas – nos postes, em praças, em lugares onde o barulho de uma latinha sendo amassada não faça muita diferença. E não vai fazer, como veremos. Depois, é hora de prender cestos também nesses postes. Cestos que possam receber excelentes sacos de lixo reforçados de 200 litros. Dentro desses sacos o morador de rua terá alumínio e plástico compactado por nós, moradores. Não pelo porteiro, não pelo faxineiro. Por nós. Daremos nosso trabalho a eles, de modo solidário, do modo que só os seres de Copacabana conseguem fazer. Daremos a eles a certeza de que dentro dos nossos sacos de lixo úmido não há ouro. O lixo irá para o lixo sem sujeira.
Já antecipo o que vocês vão dizer. Eles vão roubar os cestos, vão roubar os sacos. Mas essa é a ideia. Se roubarem os cestos, marcados com o símbolo do alumínio e do plástico, ficarão no mínimo um mês sem o ouro, que será guardado nos prédios até que outro cesto esteja disponível. O mesmo acontece se roubarem as alavancas compactadoras. É um processo didático, uma comunicação silenciosa. Com o passar dos meses, ladrões de cestos e alavancas serão punidos por seus iguais, destino similar ao dos ladrões de latas de lixo da prefeitura. Afinal, como catar latas no lixo sem latas de lixo ? Isso eles já aprenderam.
Nosso destino é melhorar o mundo. E podemos fazê-lo de pouquinho em pouquinho, com inteligência e persistência.
Vamos tentar compartilhar ? Pelo menos o lixo.

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