A realidade é apenas uma neuroexperiência.

Apesar de procurarmos sempre o crescimento psicológico, a paz de espírito, a cooperação, o respeito à lei e a justiça – ou simplesmente a privacidade, temos um destino traçado pelos donos milionários dos meios de comunicação de massa e pelos proprietários endinheirados dos escritórios oficiais e clandestinos de mídia.

Todas as vezes em que consultamos uma notícia num jornal online, somos expostos às caixinhas de conteúdo – são os widgets de terceiros ou blocos de publicidade programática. Ali, absurdos de todo o tipo são ditos, inventados, criados por “inteligências artificiais” – na verdade meros algoritmos de conteúdo. Podemos ver “o que está viralizando” em nossa cidade, mesmo que o anúncio seja criado no Vietnam. Podemos verificar como certa artista está maltratada pelo tempo. Ou talvez decobrir como enriquecer em um mês com algo, “investindo apenas duzentos reais”. O mais interessante é que os jornais tradicionais, grandes meios de comunicação, defensores “éticos” das notícias, não têm a mínima ideia do que aparece nas dezenas de janelas e não controlam as falsas verdades ali divulgadas. Seria o equivalente a um médico obstetra permitir que um estuprador frequentasse seu consultório e abordasse as pacientes ao final de uma consulta séria. Ainda usando esta metáfora, o estuprador paga muito melhor ao médico do que o plano de saúde da paciente, pois ele consegue atacar dezenas delas por dia, e ainda roubá-las – dividindo uma parte do butim com o médico. Google AdSense, Taboola e Outbrain, por exemplo, são algumas das fábricas de conteúdo, alimentadas por uma cadeia de clientes e sub-clientes do mundo inteiro, capazes de produzir traduções em centenas de idiomas quase que simultaneamente. Não há qualquer censura ou limites aplicáveis, fora os dos próprios criadores. O objetivo é dinheiro em micromoedinhas, que se multiplicam graças aos milhões de leitores e usuários de diversos serviços. Não há uma agência nacional ou mundial de controle ético de propaganda que possa fazer frente a essa verdadeira indústria.

Outra indústria crescente e perigosa é a de detecção de sentimentos (sentiment analysis). Se você usa os serviços de qualquer fornecedor de TV a cabo ou satélite, seu controle remoto diz para eles como você se sente, se você está acordada ou dormindo, o que deseja comer, quando está em casa ou não. Aliás, este é o grande caso que os fornecedores têm contra as TVs piratas. Antes de perder dinheiro com a exibição não autorizada de filmes – que eles não transmitiram – eles estão perdendo milhões de bytes de informação sobre seus sentimentos. Isto, sim, é -para eles – inaceitável ! Esses dados podem dizer se a apresentação de um filme de princesa antes de um prograna de artistas de novela e humor pode impulsionar esta ou aquela marca de detergemte. São dados, que alimentam dados que alimentam dados. Não é surpresa que a profissão do presente e do futuro seja a de cientista de dados.

Resta a questão bioquímica, da produção de serotonina. A serotonina é um neurotransmissor essencial que desempenha um papel importante em várias funções fisiológicas e comportamentais no corpo humano: humor, ciclo de sono, função cognitiva, comportamento sexual e social. Há um esforço mundial no sentido de determinar como as mídias influenciam a produção de serotonina das pessoas. E os governos e entidades de classe estão falhando no controle dessas neuroexperiências. Quem dominar as pesquisas, dominará a riqueza.

Por enquanto, estamos praticamente sós, como espectadores das diversas mídias. Há organizações destinadas a pesquisar e propor políticas, mas todas elas estrangeiras: Center for Humane Technology (EUA), Mental Health Foundation (UK), Time to Log Off (UK), AI Now Institute (USA), Algorithmic Justice League (USA), Common Sense Media (USA), Open Research Funders Group (USA). A sociedade brasileira ainda não acordou para isso e as poucas ações do governo são sabotadas por grupos interessados na exploração dessas mídias com o objetivo de lucro corporativo e corporativista. Os caminhos para contrapor a esse movimento são a educação digital, fortalecimento das ONGs e o franco debate público.

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