Quando amigos ou colegas me dizem que o “aquecimento global” não existe — apesar de evidências científicas consistentes — eu apenas mudo a abordagem. Substituo o termo por algo mais visual, mais difícil de negar: enchentes, tempestades violentas, furacões, secas prolongadas, derretimento dos polos, avanço dos oceanos, extinção de espécies. Porque, se negam a ciência, talvez se convençam com aquilo que já chegou à porta de casa.
Essa estratégia tem um efeito curioso: desmonta o negacionismo com fatos visíveis, a menos que estejamos dispostos a negar até as manchetes, os vídeos, os corpos. Mesmo assim, bastaria uma visita às regiões afetadas — de Santa Catarina ao Paquistão — para comprovar o que alguns preferem ignorar. Claro, poderíamos sustentar que tudo é uma encenação global: vítimas fingindo, governos forjando desastres para arrecadar mais impostos, ONGs se beneficiando, investidores ganhando com o caos. Mas se é isso mesmo, então já temos um nome apropriado para esse “esquema”: aquecimento global.
A questão não é o nome e nem mesmo a temperatura. Poderíamos chamá-lo de “apocalipse climático” — ainda assim, os fenômenos persistiriam. E, sejamos francos: se o combate ao aquecimento global fosse realmente uma prioridade para os poderosos, já teria sido contido. O problema é que lucrar com o colapso é mais vantajoso do que evitá-lo.
Explorar petróleo numa Antártida sem gelo é mais barato. Navegar pelas rotas do Ártico descongelado é mais econômico. Vender sementes transgênicas adaptadas ao calor é um ótimo negócio. Tomar posse de áreas incendiadas na Amazônia interessa ao agronegócio e aos políticos que dominam cartórios e regularizações fundiárias. A indústria de climatização vai muito bem, obrigado.
A privatização da saúde acompanha esse movimento. Grandes hospitais no Brasil vêm sendo sistematicamente adquiridos por investidores internacionais, por meio dos planos de saúde. Isso cria um ciclo perfeito: doenças agravadas por crises ambientais (asma, problemas renais, cardiovasculares) geram uma clientela disposta a pagar qualquer valor — desde que tenha atendimento. E quem lucra com isso? Sempre os mesmos.
No setor de transportes, o padrão se repete. Os ônibus com ar-condicionado em grandes capitais “dão defeito” com frequência ou desaparecem das linhas. As empresas alegam dificuldades, ignorando os contratos de concessão. Enquanto isso, passageiros pagam caro por serviços deficitários. Em junho de 2025, o bilhete do metrô do Rio de Janeiro (que não é subsidiado) custa hoje US$ 1,58, enquanto o de Buenos Aires pode variar de US$ 0,49 e US$ 0,61 — segundo usuários locais.
Em resumo: o mundo já foi loteado. Já se definiu que regiões serão abandonadas, quais serão valorizadas, e quem vai lucrar com isso. Emergências ambientais viraram oportunidades de negócio, e a corrupção se disfarça de resposta humanitária. Enquanto isso, os verdadeiros protetores da Terra lutam quase sozinhos — e perdem, dia após dia. Basta ver como prospera a indústria de bunkers, de segurança privada e de armamentos portáteis. Os sinais estão por toda parte.
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