O mestre Carlos José

No final dos anos 1970, eu e meus amigos tivemos o privilégio de visitar a casa de um grande músico, na serra de Teresópolis, Rio de janeiro. Sua filha – e nossa querida amiga – nos convidou e logo estávamos nós, cantando e falando besteiras que todo adolescente adora. Eu no violão, dedilhando as poucas canções que conhecia.

De repente, irrompe no quarto a imponente figura daquele brasileiro – neerlandês : Carlos José. Ele pergunta se pode pegar emprestado o violão. Digo que sim, óbvio. Ele pega o instrumento e ali mesmo, de pé, cola-o ao corpo e começa a tocar a canção: – Dindi.

O tempo parou. Ficamos paralisados com a voz poderosa e o som que saía daquele violão – talvez tomado por uma divindade com mãos de estivador. Parecia que o mestre Carlos José tinha nos levado a outra dimensão, não sei por quanto tempo. Ao final, aplaudimos, mais por espanto que por gratidão. Ele agradeceu discretamente, devolveu o violão – que na minha imaginação fumegava – e desapareceu, tão repentinamente quanto havia aparecido.

Decidi duas coisas, atordoado. Primeiro, nada mais de violão naquele dia, porque seria um sacrilégio tirar a mágica que ali ainda havia. Segundo, eu nunca seria músico de verdade, profissional. Só para distração sim, e também para localizar e incentivas jovens talentos.

O mestre Carlos José, músico e advogado, era um daqueles caras que aparentava dizer: – Deixe comigo e não se preocupe. Eu resolvo. Só presta atenção. Não é à toa que dizem que o deus da música é o mesmo deus da guerra. Sim, seria possível seguir aquele general sem hesitar, aos confins da música.

Carlos José faleceu em 2020, de COVID-19. Uma das centenas de milhares de talentos que perdemos no Brasil, por ignorância.

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