O governador e o flashdrive.

INTRODUÇÃO

O governador estava na prisão há 6 anos. Ele tinha sido condenado a mais de 400 anos de prisão. Mas, em dezembro de 2022, o ministro do Supremo concedeu-lhe o direito de cumprir pena em casa, usando tornozeleira eletrônica, depois de ter passado pelo Complexo Penitenciário de Gericinó (Bangu 8), pela Unidade Prisional da Polícia Militar em Niterói e pelo Complexo Médico Penal de Pinhais, em Curitiba. O político voltou ao seu apartamento no bairro chique na cidade do Rio de Janeiro, em meio a xingamentos de vizinhos e pichações populares, que logo arrefeceram. As razões para sua volta foram, segundo a decisão do ministro – que não via mais risco à ordem pública ou à instrução criminal – a revisão das penas e a mudança do entendimento jurídico sobre prisão de réu sem trânsito em julgado (ou seja, ficou tempo demais esperando a lei se decidir).

O político tinha sido condenado por:

  • corrupção passiva, através de recebimento de propinas de empreiteiras;
  • organização criminosa, por desvio de recursos públicos;
  • lavagem de dinheiro, com a compra de joias, obras de arte, imóveis e serviços de luxo; evasão de divisas, escondendo recursos em contas bancárias fora do Brasil;
  • peculato, por desvio de dinheiro público diretamente para seu benefício pessoal e de seus aliados;
  • recebimento de vantagens indevidas, como presentes de luxo, reformas em suas propriedades e viagens internacionais pagas por empresas beneficiadas por seu governo.

Com a apreensão dos computadores, dos celulares e de outros dispositivos do governador e de sua esposa – advogada – no início do processo, ficou claro que ele mantinha uma contabilidade cuidadosa de seus recursos e operações, no Brasil e no exterior. É aí que entra um certo dispositivo de armazenamento, um pendrive – ou flashdrive, como se fala fora do Brasil. Dentro desse flashdrive, encontrado dentre os objetos apreendidos, havia um volume, um disco virtual. Algo parecido com o drive D: dos discos externos no Windows, onde as pessoas costumam fazer seus backups. Só que este drive estava criptografado através de um software chamado TrueCrypt. E, pelo visto, só o governador conhecia as senhas.

O TRUECRYPT

Vale a pena tentar explicar para o leitor o que o TrueCrypt – um software já obsoleto – faz e qual a sua importância no mercado de segredos bilionários escusos. Para começar, é um software livre. Basta baixar e instalar. Ele funciona no Windows, Macintosh e Linux e, como já disse, cria volumes virtuais em flasdrives e também em partições livres de discos rígidos (HDs). Ele tem dois níveis de proteção: se revelada a primeira senha, há uma segunda. Ele tem três métodos de criptografia e mais cinco variações. Em 28 de maio de 2014, o projeto foi interrompido pelos desenvolvedores e foi recomendada a migração para outro software, porque brechas de segurança haviam sido encontradas. O próprio site recomendava agora o uso do onipresente BitLocker, da Microsoft, como alternativa.

Alguns fatos interessantes devem ser mencionados:

  • Primeiro, o TrueCrypt deu origem a um outro produto, o VeraCrypt, hoje considerado “mais seguro”.
  • Segundo, até 2016, ninguém tinha conseguido usar as tais brechas do TrueCrypt para “quebrar” a criptografia do político.
  • Finalmente, há boatos (e nenhuma evidência, portanto) de que o TrueCrypt foi removido do mercado justamente por ser bom demais e o governo norte-americano, não conseguindo superá-lo, forçou uma situação de “aposentadoria” para o software – e sua troca por um software menos resistente.

De qualquer modo, o TrueCrypt ainda é usado pelos especialistas em segurança e, presume-se, pelos bandidos de todo o mundo, por sua reputação de anonimato. Engrossam a lista de compras o VeraCrypt, o BitLocker, o PGP (Pretty Good Privacy) e o Cryptomator.

POR QUE O POLÍTICO REALMENTE VOLTOU PARA CASA ?

Aí estão os elementos de uma verdadeira novela, ou de uma teoria da conspiração.

  • Será que o seu flashdrive foi submetido a todos os especialistas disponíveis e não foi decodificado nesse tempo todo desde a prisão do governador ?
  • Será que ele negociou sua liberdade através da revelação das senhas para a promotoria ? Neste caso, haveria um acordo financeiro no processo ? Com quais benefícios para o povo do estado ?

Sinceramente, talvez nossos netos venham a saber. Os processos continuam em segredo de justiça e creio que esta situação não irá se alterar nesta década.

O fato inegável é que o governador e sua senhora estão em casa e não falta dinheiro para as compras do mês.

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