Popularmente no Japão um kami é uma divindade, algo superior, senciente e com poderes mágicos. As forças da natureza também são vistas como kamis, numa abordagem fascinante daquela cultura. É o caso da energia atômica. Dizem que o kami atômico não gosta do Japão: Em Tokaimura (1999) houve uma reação em cadeia descontrolada; em Fukushima Daiichi (2011) um terremoto e tsunami colapsaram dois reatores; em Fukushima (2013), água radioativa foi jogada no Oceano Pacífico; em Monju (1995), houve vazamento de sódio líquido e radioativo. Não podemos esquecer de adicionar a essa lista duas bombas atômicas lançadas sobre o Japão pelos EUA em agosto de 1945: uma e urânio, em Hiroshima e outra de plutônio, em Nagasaki.
Devido aos poucos recursos energéticos, o Japão depende muito da energia atômica para suas cidades, para sua indústria poderosa e faminta, para o consequente incremento de suas exportações. Mas os japoneses dizem não saber o que fazer para agradar ao kami atômico. Entrevistei imaginariamente esse kami e tentei saber o que os japoneses estavam fazendo de errado. Divido agora com o leitor este insight.
O que chama atenção na indústria nuclear japonesa é a grandeza de seus números. Só a TEPCO, companhia de eletricidade de Tokyo, opera 3 usinas atômicas: Fukushima Daiichi, Fukushima Daini, Kashiwazaki-Kariwa. A construção da primeira custou dezenas de bilhões de dólares. Ela está em lenta fase de desativação. À época do incidente de Fukushima Daiichi (2011), 185 mil pessoas foram retiradas de casa por perigo de radiação. O problema ocorreu porque os geradores a diesel, que deviam fornecer energia auxiliar para operação em caso de desastre, estavam a 10 m abaixo do nível do reator. Estes geradores foram submersos pelo tsunami. Assim, o esquema de refrigeração de emergência do núcleo falhou e o evento catastrófico ocorreu por superaquecimento, inclusive com explosão da contenção de dois reatores. As indenizações determinadas pela justiça 2022 se elevam a bilhões de dólares.
O fato é que a energia atômica sempre deu muito lucro e os governos sempre vão em ajuda financeira às empresas em caso de desastre, com dinheiro público. Mas isso poderia ser diferente, se a estratégia atômica fosse voltada para as pequenas soluções. Não se trata de criticar o que está feito, pois o que se tinha de conhecimento na época era unicamente a construção de grandes usinas. Mas talvez o kami atômico tenha mandado um mensageiro para nós. Em abril de 2013, o jovem e genial cientista Taylor Wilson proferiu uma palestra TED (TED Talks), intitulada “Meu plano radical para pequenos reatores de fissão nuclear”, na qual preconizava o uso de pequenos geradores atômicos, que usavam “lixo” atômico, seriam baratos e de baixa periculosidade. Desde então, o assunto sumiu da mídia, provavelmente porque diminuiria o lucro de muitos fundos de investimento.
Grandes usinas não combinam com grandes terremotos, grandes concentrações de gente e inundações. Está na hora de pensar no pequeno. E transformar a indústria atômica em algo como uma indústria de geradores compactos, resistentes e relativamente portáteis. E o que restou das usinas danificadas pode ser útil ao Japão, como fonte de matéria prima. Se as ideias de Wilson forem aplicadas, cada prédio ou indústria teria seu reator, alimentando a rede pública de distribuição. Mas uma agência reguladora eficiente e gigantesca, aliada a um programa de educação da juventude japonesa em ciência seriam necessários. O Japão poderia exportar energia para o mundo, em pequenos pacotes. É hora do Japão se reconciliar com o kami atômico e ajudar o mundo !
É uma área na qual o Brasil pode se associar e contribuir com seus profissionais de física e engenharia atômica.