Numa manhã de 2001, uma kitah, unidade militar israelense de doze homens e um sargento (chamado de Ras – ou Rav Samal), entra no terreno de uma família palestina. Ela traz um trator e seu objetivo é cimentar o poço artesiano daquela família. O patriarca palestino (ra’is al-usra) é chamado e, em seu ouvido, o sargento israelense diz, em árabe: – Quero que você e seus descendentes morram de sede e apodreçam pelo inferno ! Isso aconteceu sim, contado por um dos soldados da kitah, que tem medo de se identificar até hoje. Era o seu dia-a-dia. Promover o medo e estimular o ódio palestino, até que ele explodisse e Israel possa se vingar de maneira considerada incontestável.
Vinte e dois anos depois, em sete de outubro de 2023, pelo menos 1500 homens do Hamas, incluindo uma das crianças que assistiu àquela incursão da kitah e a maldição lançada pelo Ras contra seu clã, olhos vermelhos de ódio insuflado por seus líderes, invadem o sul de Israel. Eles realizam massacres de violência inominável e fazem reféns. São mais de mil e trezentos israelenses mortos. Na rave Universo Paralelo e nas áreas de Be´eri e Re´im, os mortos se acumulam às centenas. A imprensa mundial declara que foi uma das maiores falhas da inteligência israelenses, desde a guerra do Yon Kippur. No dia doze de setembro, o Ministério das Relações Exteriores israelense divulga fotos de bebês assassinados pelo Hamas, que nega a ação e atribui as fotos a propaganda sionista.
Todos sabemos o que ocorreu depois. Israel invade os territórios palestinos, explode hospitais que estariam abrigando terroristas, impede ou atrasa ações humanitárias. Aniquila por seu turno homens, mulheres crianças e idosos indiscriminadamente, à razão de vinte e três palestinos por um israelense. A escalada parece não ter fim e coloca o oriente médio sob risco de guerra total entre Israel e seus vizinhos. O final será bem previsível: o domínio, criminalização e dependência dos palestinos e a criação de uma zona de segurança israelense, na qual este país aumenta um terço de tamanho, com o bônus de pequenas jazidas de petróleo e gás. Ou, quem sabe, uma imensa cratera no deserto.
Em 19 de fevereiro, o presidente Luis Inácio Lula da Silva compara a ação de Israel contra o Hamas ao holocausto judeu. Ele passa a ser persona non grata em Israel. O oportunista partido Novo, oposição política ao seu governo, pede imediatamente seu impeachment por isso[1].
Pois bem. É preciso lembrar que, em 27 de setembro 1990, houve a chamada Cúpula da Criança em New York, promovida pela UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância). Ali, foi assinada a Convenção dos Direitos da Criança, por 140 países. Israel assinou. Os Estados Unidos também. Mas os dois não ratificaram. O Brasil assinou e ratificou, como fizeram França e Reino Unido e dezenas de outros. A Convenção diz, em seu artigo dezenove:
“Os Estados Partes devem adotar todas as medidas legislativas, administrativas, sociais e educacionais apropriadas para proteger a criança contra todas as formas de violência física ou mental, ofensas ou abusos, negligência ou tratamento displicente, maus-tratos ou exploração, inclusive abuso sexual, enquanto a criança estiver sob a custódia dos pais, do tutor legal ou de qualquer outra pessoa responsável por ela.” [2]
O Partido Novo, portanto, quer o impeachment do presidente Lula, por ele ter respeitado a Convenção de 1990 que o país assinou ? Por ele ter condenado os dois lados, por ele ter denunciado a loucura que se instalou no Oriente Médio ? O partido fascista do fundador João Amoedo, dos líderes Eduardo Ribeiro e Alfredo Adolfo Schnabel Fuentes, do governador Romeu Zema, do senador Eduardo Girão, dos deputados Marcell van Hattem, Gilson Marques e Adriana Ventura mostra, mais uma vez, seu oportunismo e aposta no incêndio do circo nacional e mundial, para que seus participantes, apoiadores e associados possam comer, confortavelmente, marshmallows bem assados, enquanto crianças queimam em Israel e Gaza.
[1] https://odia.ig.com.br/brasil/2024/02/6796016-novo-anuncia-apoio-a-pedido-de-impeachment-de-lula-por-comparar-acao-de-israel-a-holocausto.html
[2] https://www.unicef.org/brazil/convencao-sobre-os-direitos-da-crianca