‘Robôs assassinos’: Ucrânia aposta em armas movidas por inteligência artificial para ganhar vantagem na guerra contra a Rússia.

Pressão para superar o inimigo, juntamente com grandes fluxos de investimento, doações e contratos governamentais, transformou o país em um Vale do Silício para drones autônomos e outras armamentos.

Por Paul Mozur e Adam Satariano, Em The New York Times — Kiev
Para O Globo, 03/07/2024 04h30

Funcionário da Vyriy usa óculos para ver o que o drone estava vendo enquanto ele mirava em um alvo. — Foto: Sasha Maslov / The New York Times
Funcionário da Vyriy usa óculos para ver o que o drone estava vendo enquanto ele mirava em um alvo. — Foto: Sasha Maslov / The New York Times

Em um campo nos arredores de Kiev, os fundadores da Vyriy, uma empresa ucraniana de drones, estavam recentemente trabalhando em uma arma do futuro. Para demonstrá-la, Oleksii Babenko, de 25 anos, CEO da Vyriy, subiu em sua motocicleta e desceu por um caminho de terra. Atrás dele, um drone o seguiu, enquanto um colega acompanhava os movimentos a partir de um computador do tamanho de uma maleta.

Até recentemente, um humano pilotaria o quadricóptero. Não mais. Em vez disso, depois que o drone travou em seu alvo — Babenko — ele voou sozinho, guiado por um software que usava a câmera da máquina para rastreá-lo.
O motor da motocicleta não foi páreo para o drone silencioso que perseguiu Babenko. Se o drone estivesse armado com explosivos e se seus colegas não tivessem desativado o rastreamento autônomo, Babenko estaria perdido.

A Vyriy é apenas uma das muitas empresas ucranianas trabalhando em um grande avanço na transformação da tecnologia de consumo em armamento, impulsionadas pela guerra com a Rússia. A pressão para superar o inimigo, juntamente com grandes fluxos de investimento, doações e contratos governamentais, transformou a Ucrânia em um Vale do Silício para drones autônomos e outras armas.

O que as empresas estão criando é tecnologia que torna o julgamento humano sobre alvos e disparos cada vez mais tangencial. A disponibilidade generalizada de dispositivos prontos para uso, software fácil de projetar, algoritmos poderosos de automação e microchips de inteligência artificial especializados impulsionaram uma corrida mortal de inovação para um território desconhecido, alimentando uma potencial nova era de robôs assassinos.

As versões mais avançadas da tecnologia que permite que drones e outras máquinas atuem de forma autônoma foram viabilizadas pelo aprendizado profundo, uma forma de IA que utiliza grandes quantidades de dados para identificar padrões e tomar decisões. O aprendizado profundo ajudou a gerar modelos de linguagem populares, como o GPT-4 da OpenAI, mas também ajuda a criar modelos que interpretam e respondem em tempo real a vídeos e imagens de câmera. Isso significa que o software que antes ajudava um drone a seguir um snowboarder descendo uma montanha agora pode se tornar uma ferramenta mortal.

Em mais de uma dúzia de entrevistas com empreendedores, engenheiros e unidades militares ucranianas, surgiu um quadro de um futuro próximo em que enxames de drones autoguiados podem coordenar ataques e metralhadoras com visão computacional podem derrubar soldados automaticamente. Criações mais extravagantes, como um helicóptero não tripulado pairando e armado com metralhadoras, também estão sendo desenvolvidas.

Embora essas armas não sejam tão avançadas quanto os sistemas militares de alta tecnologia fabricados pelos Estados Unidos, China e Rússia, o que torna esses desenvolvimentos significativos é seu baixo custo — apenas alguns milhares de dólares ou menos — e sua pronta disponibilidade.

Exceto pelas munições, muitas dessas armas são construídas com código encontrado on-line e componentes que podem ser comprados na Best Buy e em uma loja de ferragens. Alguns oficiais dos EUA disseram que estavam preocupados que essas capacidades pudessem em breve ser usadas para realizar ataques terroristas.

Para a Ucrânia, as tecnologias poderiam fornecer uma vantagem contra a Rússia, que também está desenvolvendo dispositivos autônomos letais — ou simplesmente ajudar a manter o ritmo. Os sistemas aumentam as apostas em um debate internacional sobre as ramificações éticas e legais da IA no campo de batalha. Grupos de direitos humanos e funcionários das Nações Unidas querem limitar o uso de armas autônomas por medo de que possam desencadear uma nova corrida armamentista global que poderia sair do controle.

Na Ucrânia, essas preocupações são secundárias à luta contra um invasor.

— Precisamos de máxima automação — disse Mykhailo Fedorov, ministro da Transformação Digital da Ucrânia, que tem liderado os esforços do país para usar startups de tecnologia para expandir as capacidades avançadas de combate. — Essas tecnologias são fundamentais para a nossa vitória.

De acordo com autoridades ucranianas e vídeos verificados pelo The New York Times, drones autônomos como os da Vyriy já foram usados em combate para atingir alvos russos. Fedorov disse que o governo estava trabalhando para financiar empresas de drones para ajudá-las a aumentar rapidamente a produção.

Em uma oficina improvisada em um prédio de apartamentos no leste da Ucrânia, Dev, um soldado de 28 anos da 92ª Brigada de Assalto, ajudou a impulsionar inovações que transformaram drones baratos em armas. Primeiro, ele prendeu bombas em drones de corrida, depois adicionou baterias maiores para ajudá-los a voar mais longe e recentemente incorporou visão noturna para que as máquinas possam caçar no escuro.

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