Outra maneira de ver o profissional de qualidade de sistemas.”
Sistemas prontos para explodir.
Existe uma máxima, entre os analistas de sistemas, que é a seguinte: – Não critique o trabalho de um colega analista, sem antes saber quais os recursos, limitações e requisitos da época. É perfeito, porque os analistas são pressionados a concluir projetos rapidamente, eficientemente, com recursos limitados. Depois do feito, geralmente eles são dispensados ou realocados em outros projetos pela alta direção. Assim, a documentação do sistema fica incompleta. Aliás, quem documentou o projeto que foi apresentado ao analista ? Guardou essa documentação aonde e com quais direitos de acesso ? Nenhuma resposta. O pedido foi passado “de boca” e está “soterrado” em algum lugar. – Mas que importa ? Está funcionando não ? E se der problema, o Suporte resolve !
Sabem aqueles sistemas que se “esquecem” de que são sistemas ? Eu digo sistemas, mas não aderindo à acepção comum da palavra – porque ela não existe, é relativa. Cada um pensa em sistemas do jeito que quer, a menos que tenha treinamento na área. Mas existem os estudos de Ludwig von Bertalanffy e seus seguidores – como a ambientalista Donella H. Meadows. Estes sim, definem sistemas e suas características, de maneira clara.
Os sistemas possuem entradas, saídas, “aceleradores”, “freios”, sensores, alarmes, mecanismos de retroalimentação, subsistemas. Tudo isso precisa ser implementado, junto com uma cuidadosa análise de riscos e de ambiente. Os sistemas de TI não são sempre feitos de acordo com protocolos adequados, com controle de projeto e sim de acordo com os desejos imediatos da liderança. Nesses casos, o analista não diz para o diretor: – Não vai dar para entregar sem análise dos protocolos de segurança – Ele faz, coloca em produção – porque a pressa é grande – e deixa a solução dos problemas para o próximo analista e, como já disse, para o suporte.
Um jogo de muitos erros.
- Quando o sistema de controle de uma usina nuclear falhou num país oriental, por exemplo, foi porque os projetistas não previram um tsunami junto com um terremoto. Aí o sistema colapsou, tentando se recuperar. Os operadores da usina morreram com honra, dedicação e coragem. Eles eram parte do sistema – uma parte preciosa que ficou impossível contabilizar e avaliar – evitaram perdas maiores de vidas e patrimônio.
- O Brasil criou um site de cadastro único da população – o GOV.BR – que reúne todos os dados possíveis e imagináveis. Ele é acessível por celular e outros dispositivos – com endereço IP, o endereço digital dos dispositivos ligados à Internet. Pela arquitetura do sistema, depreende-se que é possível discriminar serviços, atrasando-os ou negando-os às pessoas que são contra o governo. A oposição é fácil de localizar e catalogar automaticamente, via redes sociais, principalmente com os milionários sistemas de espionagem recém-adquiridos. Os analistas de sistemas envolvidos nesses sistemas “esqueceram” completamente da Carta Magna, que garante direito à privacidade. Mais uma vez, fizeram o que lhes foi pedido pelo contratante governamental. Analistas são uma classe sem representação política até hoje. Sem um Conselho ou um Código de Ética. Enquanto isso, uma Senadora cobra dos ministros explicações sobre interesse em sistemas espiões, inclusive o da Dark Matter.
- Um determinado sistema processual foi desenhado para que funcione em plena comunicação com outros sistemas processuais, chamados de cooperativos. Nunca foi testada a possibilidade de alguns sistemas cooperativos pararem de funcionar ou transgredirem certas regras de comportamento. A experiência dos analistas de suporte nessas ocasiões demonstra que seus sistemas podem frear quase a um ponto de parada – por falte de comunicação com outros – antes que se atine com as causas.
- Um conhecido sistema do órgão R apresentava uma interface pela internet, de modo que qualquer um pudesse desenvolver um programa-cliente para cadastrar, consultar e dar andamento a processos. Essa interface permitia criar processos tão secretos, que ninguém conseguiria mais movimentá-los – nem mesmo seus criadores. Consultada sobre o assunto, a TI do órgão R informou que o a interface permitiam isso sim, mas cabia aos desenvolvedores evitarem este uso. A pergunta que não cala é: – Se vai inviabilizar o trabalho, por que a opção está lá ? O fato é que o suporte técnico de R gastou horas para corrigir milhares de processos criados automaticamente com essa opção de segurança absurda. A falha foi na programação do cliente.
- Os usuários da Receita Federal podem fazer reclamações junto à Ouvidoria – controlada pelo Ministério da Economia – por Internet. Mas a reclamação exige que o usuário coloque seu título de eleitor, sem explicar para que vai usá-lo. Isso em época de eleição. Mesmo que haja alguma justificativa para a exigência, que é por definição injustificável, isso coloca em cheque a confiabilidade da Receita Federal frente à opinião pública. Deveria haver um analista que avisasse isso a quem fez a exigência.
Corrigindo os erros.
Como se vê, há um amplo mercado para analistas de qualidade. São aqueles profissionais que fazem o que os ocupados analistas de época deviam fazer e não puderam, por várias razões. A questão principal é: – Será que um dia os analistas de qualidade serão chamados para verificar e consertar esses absurdos ? A resposta para a usina nuclear, pelo menos, é sim. Mas e os outros casos ? Não é melhor recomeçar e introduzir a qualidade e conformidade nos projetos ? Daqui para adiante, tento esboçar as características de profissionais e organizações capazes de ajudar a consertar essa bagunça.
Analistas de qualidade e conformidade precisam de muita reserva de caixa e capacidade de trabalhar sem ingresso de dinheiro de empresas e contratos por muito tempo. Isso parece ser uma contradição, mas voltemos aos exemplos dos Conselhos.
O C.R.M. (Conselho Regional de Medicina), possui verba própria para fiscalizar, regrar, punir maus profissionais, investigar e para se manter. Ela vem de contribuições de associados. Os Conselhos em geral têm poder de polícia profissional, uma tese aceita por muitos tribunais. Noventa e cinco por cento da renda dos Conselhos Regionais profissionais vêm de anuidades. Outros cinco por cento vêm de eventos. Do total arrecadado pelos Conselhos Regionais, 20 % vai para o respectivo Conselho Federal, para sua manutenção e ação.
Desde a década de 80 se tenta unir a classe de TI, mas o Congresso sempre barrou, ou melhor, atrasou esses movimentos. Os patrões barram, os sindicatos também – cada um por suas razões. Tudo isso baseado na divisão de classes dentro da Informática: digitadores, operadores, analistas, cientistas, programadores etc. Agora que as categorias mais “baixas” – uma falácia já que o poder delas é equivalente – estão deixando de existir e as máquinas estão assumindo o dia-a-dia, cria-se o caldo de cultura para um Conselho Federal de Informática. No entanto, tudo sempre foi feito para que uma classe brigasse com a outra e não houvesse consenso. O establishment sabe muito bem que, se os homens e mulheres autoproclamados “mercenários de TI” se unirem, uma ética surgirá, junto com melhores remunerações – isso não interessa aos grandes empresários de TI, mas interessa muito ao usuário final.
Como formar esse “novo” profissional ?
Não se trata exatamente de um novo profissional, mas sim de uma nova cultura. Os especialistas de todas as idades e formações serão necessários e devem formar equipes. Mas, como já disse, a união dessas habilidades, uma ética consistente e um conjunto de protocolos específicos conduzirão a serviços melhores, mais seguros e mais adequados ao cidadão comum.
Os filósofos especializados em ética podem ajudar. Os presidentes de diversos Conselhos Regionais, Federais e associações também. As Justiças são essenciais. Os sindicatos, a SBC – Sociedade Brasileira de Computação e a OAB, têm grandes contribuições a fazer. A provecta Federação Assespro – Federação das Associações das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação – tem que se adequar à nova realidade, pois ela também está em perigo de queda de qualidade de produtos e de confiança do público. Basta observar os recentes fatos envolvendo a maior empresa de software do planeta, a Google, em relação à inteligência artificial e as absurdas ideias do partido governista sobre a suposta corrupção do processo de apuração eleitoral brasileiro.
Existe um exemplo notável no mundo, que é o da ISACA – uma associação com um sólido código de ética (CPE – Code of Professional Ethics). Uma formação na ISACA não é barata mas o mercado precisa de profissionais com essa experiência, ideias e ideais. A democracia também.
Referências:
- [ Senado, 2018 ] “Criação de Conselho Federal e Conselhos Regionais de Informática“.
- [Confei, 2019 ] “Confei – Despedida”. Disponível em < https://confei.wordpress.com/ >
- [ Nogueira, 2021 ] “Conselho Federal de Informática: Uma realidade próxima“.
- [ Torres, 2000 ] Criação do CONIN, CONFEI e CREI.
- [ Andrino, 1999 ] “PROJETO DE LEI N.º 981 DE 1999 – Dispõe sobre a regulamentação do exercício das profissões de Analista de Sistemas e suas correlatas e autoriza a criação do Conselho Federal e dos Conselhos Regionais de Informática”.
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