Por uma IA pessoal.

A pesquisa em Inteligência artificial (IA) parece muito voltada ao coletivo, ao organizacional, ao profissional, ao governamental, ao empresarial. As ferramentas que surgem no estudo da IA produzem anúncios mais eficientes (e muitas vezes mais perturbadores), meios de obter mais lucro nos bancos, cobranças mais agressivas sobre pessoas físicas, oráculos que adivinham o que estou pensando e vou ainda pensar e oferecem a propaganda certa, métodos de localização de transgressores do estado. Mas e o funcionário ? E o cliente ? E o cidadão ? O que proponho hoje é uma IA pessoal, aquela que me avisa, me protege, me facilita a vida como pessoa, me ajuda a exercer a cidadania, me mantém empregado e bem-remunerado, me protege contra a corrupção.

Sempre que você precisa acessar seu banco para fazer uma operação financeira, tem de digitar pelo menos duas senhas e, talvez consultar ainda um token. Ano após ano, precisa dedicar uma semana para elaborar o imposto de renda. Também precisa provar anualmente ao seu banco que está vivo, para receber seu benefício. Sua concessionária de energia elétrica já lhe mandou a conta de luz de maio, com vencimento em junho, e você está ainda em início de abril. Seu banco lhe oferece empréstimos volumosos a uma taxa “vantajosa”, só para lhe afogar em juros e depois produzir sua falência controlada por uma década. Empresas de prateleira ligam para você depois das 21 h para oferecer “adiantamento de FGTS” – uma coisa inexistente.

A ética, que devia controlar as aplicações de IA, é a última consultada, se tanto. Sei disso também porque me afogo em telefonemas indesejados, não me chamo Sidney – o caloteiro que a Claro está procurando há anos, diariamente em meu celular. Preciso de algo que me defenda de uma equipe de super técnicos, idiotas com MBA, reunidos no fim-de-semana na sala de brainstorming da megaempresa em Angra dos Reis, criando “a nova geração da propaganda”. Que, aliás, vai ser um pé-no-saco do cidadão comum. Preciso de um navegador que tire a cara onipresente daquele professor da pós-graduação de minhas telas, afinal a IA daquela universidade errou: Eu não sou mercado para esse curso, que custa uma nota preta !

Preciso saber onde está sendo investido o meu dinheiro pelo governo e, também, de conselhos fiscais. Preciso que me informem sobre o que está sendo feita naquela obra da esquina, quem está fazendo, quanto está custando, com que recurso, quando termina, se vai ser este ano …

No campo imobiliário, os avanços são também notáveis. Aliás, este campo está tremendamente ligado à política. Políticos corruptos e seus asseclas ganham dinheiro e aplicam no mercado imobiliário. Usam a IA para pesquisar novos lugares para conseguir mais dinheiro. Nossa IA devia estar de olho na evolução patrimonial de nossos políticos e suas relações com parentes e seus laranjas. Poderia avisar também sobre a explosão da especulação imobiliária em nosso outrora sossegado bairro, indicando quando o valor de nossa casa vai chegar ao máximo e quando será interessante vendê-la e fugir para um novo lugar quando a marginalidade aumentar.

Mas as IA atuais IA não são informadas sobre estabilidade dos solos, do valor das matas para as maritacas que ali repousam no outono e fazem ninhos na primavera. As IAs não são informadas de que não há esgotos na cidade; portanto não informam sobre a necessidade de criação de estações de tratamento e sobre o absurdo de cobrança de taxa de esgoto pela concessionária privada recém constituída. Elas nem mesmo avaliam a insolação sobre a cidade e o impacto da criação de condomínios; portanto não entendem o impacto do uso crescente da energia solar na grade elétrica. Mas há IAs, sim, que conseguem ler diariamente a internet e tirar algumas conclusões. Se, ao menos, a minha IA pudesse conversar com elas…

Defendo uma IA para o indivíduo, com sensores espalhados pelo corpo, pela moradia, pela internet – de olho nas notícias, nos cadastros nacionais, nas movimentações de câmeras do bairro, nos bancos de dados dos governos. Ela dirá ao meu banco que eu sou eu e não preciso de senha. Ela me dirá se minha cozinheira está me matando com excesso de sal na comida, porque conversará com meu aparelho de pressão eletrônico e com minha geladeira . Ela mostrará como fazer negociações com o gerente do banco de modo que um acordo seja vantajoso para os dois e não somente para aquela instituição. Me avisará se alguém estiver olhando demais a minha casa, pois conversará novamente com a câmera. Espero também que ela me ajude a estudar o que realmente preciso para chegar a um resultado acadêmico e intelectual desejável e lucrativo. Ou que me avise: — A sua operadora de telefonia está usando uma prática ilegal, que pode te render milhares e dólares em danos morais. E sim, minha IA precisa falar, ouvir e entender a minha língua !

Alguns especialistas como Kai Fu Lee, dizem que os dados são essenciais e devem ser coletados aos montes para serem úteis. Diz também que os dados de um povo são sua riqueza. Então preciso de muito armazenamento. Bem, isso não falta na Amazon, no Google e na Microsoft. Mas preciso de uma IA pessoal que proteja esses dados da curiosidade de outras IA, que ganham hoje muito dinheiro e elegem líderes com os muitos dados que eu publico.

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